Saturday, December 16, 2006

A liturgia dos insanos


1. Por aqui somos de carne e sal,
ou mesmo, de sol nascente,
longe do estéril turbilhão da rua.

2.As palavras que nos revelam,
são de luz pura e de encantamento,
e mais ainda, o delírio incessante
que nos confessa o tépido bafejo da aurora.

Não há lua no céu


1.Letárgico o rio deflui
silencioso dentro de uma noite afável,
E vagando pelo cosmo
vai tecendo estrelas-marinhas
pelas dóceis nuvens, que são também
de agua imaculada, e resguardam as profunduras
da tranquilidade, que somente os anjos desfrutam.

2.Pela janela quebrada
do meu quarto, vislumbro
o plenilúnio romper, e quedar
ensombrando a monocromática paisagem
de arvoredos tímidos, e de cores fugidas.

3.Nas calçadas frias, os dedos pedintes
dos meninos reluzem, trepidantes
remendam sonhos havidos, de um áureo
alvorecer.

Há um homem

1.Há um homem em cada
noite, que se multiplica em suadas mãos
para esmerar um corpo amado.


2.Há um homem
que se dissolve em suspiros
e queda fatigado nos teus braços
a cada noite, mulher!


3. E no oficio árduo das madrugadas
nasce um homem, um homem novo,
um homem de mil e uma auroras
assim como se plagiasse o resplandecer
dos teus olhos, mulher,
para cravar os astros de prazer.


4. Há um homem, mulher,
um homem que sou,
um homem que nasço,
somente quando te amo.

???Dúvidas I???

1. De quem é a arma que embala o medo da criança órfã que vagueia pelas ruas frias do nosso remorso?

2. Por que há tantos atalhos para a tristeza
e tão poucos caminhos para a felicidade?

3. Por que se mede o mundo
mas não as tristezas?

4. Como conseguiram os homens
descobrir o abismo da maldade,
e desconhecem a escadaria da bondade?

5. Por que não extraem o ouro do sol os homens?

6. Quantas bíblias há no céu?

7. Por que os grandes aviões não fazem ninhos? E quem já os viu ensinarem os seus filhos a voar?

8. É verdade que a dor se deve regar com lágrimas para a felicidade florir?

9. Como entenderão a minha poesia aqueles que jamais sentirão o meu sangue?

10. Se Deus está em todos os cantos por que olham para o céu os homens?

11. Se quando morremos vamos ao paraíso por que preferimos antes o inferno?

12. O que dizem sobre a morte os abutres?

Um lugar no meu coração

1. Choras...
Por vezes até morres,
e afundas em teu fosso de orgulhosa cólera,
até que nada te reste, senão, um instante,
um só, em que amaste sem medo, que te entregaste
sem corpo, sem alma, que foste mulher.


2.Nas noites frias e duras,
o traço forte da loucura irrompe
pela vidraça das tuas janelas,
embaçadas, sujas, e ofusca o brilho
de tudo, e até mesmo o teu, e permaneces
assim, no teu fosso de silêncio, silenciada...


3.E ai, eu também choro,
que amar é partilhar,
E ai, eu também sofro,
que amar é esperar,


4.Sei somente, que um dia,
teus olhos despertarão, coloridos,
e acredite, meu amor, não haverá
uma manhã sequer, que negra
não assuma o teu esplendor,
uma manhã em que não sorrias,
é isto que eu te ofereço:
— Um lugar no meu coração!

O teu riso

Antes a morte,
que perder o instante em que sorris.

Não me negues
o milagre que inventas,
a rosa que de súbito
brota da tua alegria.

Regresso por vezes com as mãos
vazias, o corpo dormente,
o sol já não morre, o mar
já não preenche infinitos caminhos,
mas logo tu sorris,
e tudo regressa a sua mansa ordem,
o mar que secara,
ressurge dos teus lábios,
o tempo que me atravessava como
um espada afiada, é agora
o meu único refugio.

O teu riso, meu pão,
sustenta os caminhos há muito estancados
que me guiavam ao teu colo... Escuta,
o rio, as algas, o vento,
que eu escutei um murmúrio
e entendi o teu riso,
essa porta que para mim
se abre.

“Não posso dizer adeus”

Ao poeta Armando Artur.


Todas as manhãs invento um novo motivo
para permanecer, enquanto lá fora
cruéis as aves me ensinam a partir.
Não posso dizer adeus. Aqui as noites
são menos gélidas, e as madrugadas, cálidas
embalam o meu medo de me aventurar.

Não posso dizer adeus. Nunca ninguém
me ensinou o seu real sentido, mas se este
é realmente o teu desejo, eu irei, sem no entanto,
provar a dor da despida, pois não posso dizer adeus.
O olhar, volvendo compungido, atrás,
meu porto de partida e chegada jaz, fulmina-se
também o calor da primeira habitação.

Em meu peito, tudo está gasto, menos o silencio.
Enfio a mão na algibeira do casaco, e já não
encontro tudo aquilo que outrora tínhamos
um para o outro.

Tão longe o esquecimento, tão perto a lembrança

Partiste e,
somente eu sei,
tudo que te dei
e tudo aquilo que não recebi.

Partiste e,
o que encontras nesses caminhos
feitos de espinhos onde te magoas?
Sangue, charcos, ou algas?
O que sentes, alegria, felicidade,
ou somente dor? Vá diga-me!

As noites aqui
são cada vez mais duras
mas não temas, esquiva-te das minhas lágrimas,
não te firas com a minha dor, que seria inútil.

Saturday, July 22, 2006

Excerto de um romance 2

II CAPITULO

O comissário da polícia, e um lugar chamado porta do céu.


Aquelas lembranças eram naquele lugar, como o oiro, que se empresta ao sol para a sua resplandecente grinalda de vaidade.

Os habitantes de Missavene sempre souberam que quando se conta a vida há que conta-la ao inverso das palavras, para que ela siga os passos do entendimento.





O Comissário adjunto da policia, Francisco Pleno, sentado em sua secretaria, mirrava o pátio pela janela, rendendo-se ao sedutor cenário. Torcia os bigodes, em gestos contínuos, sempre controlando as horas, num relógio de pêndulo pendurado à parede. Por vezes, balouçava o corpo magro, consequente do seu antigo vicio de fumar. “Há que se fumar as tristezas pelo seu pé, para se espantar as desgraças.” Eram estas às palavras que invocava sempre que o remorso lhe espetava mais forte a consciência.
Seus olhos, por vezes faiscavam, quando o céu tingido de azul se dissolvia no breve voo das aves. Agradava-lhe vê-las voando tão alto, transmitiam-lhe uma sensação indescritível de liberdade. Como se ele também ganhasse asas e se aventurasse pela infinitude do mundo e, mesmo que por tão breves instantes, alcançava uma outra dimensão, um outro aprumo. Ali tão alto, repousando nas nuvens, ele imaginava por vezes, que estava o Deus dos homens, contemplando a sua criação, todo infeliz, desgostoso, por tão miserável vida que levavam. Jamais fora um Homem religioso, para ele, Deus existia em cada Homem. Diferentemente do que todos diziam sobre a criação, para ele, Deus é que era a criação, e por sinal, a mais fantástica, renovando-se eternamente na fé dos Homens.
O relógio contava os minutos vagarosamente, em pancadas infernais, como se gostassem do atraso as horas. Isso começa a irritá-lo, pois não havia nada que ele pudesse fazer ali, senão, contemplar a inutilidade que nele se alojara, de tralhas e tudo. Por outro lado, até era melhor, pois sabia que ao regressar encontraria, uma cama vazia, e a saudade da sua mulher que ficara do outro lado do Mar. Sem falar, da Velha Cacilda que tomava conta da pensão onde ele estava alojado. A senhora era tão assustadora, que por vezes inspirava os seus mais medonhos pesadelos. Era como as bruxas das fábulas de sua infância. Lembrava-se disso com certa graça, porque até simpatiza com a velha. Agrada-lhe aquele sorriso carcomido pelo tempo, violentando alegrias de tempos idos, tempos de uma juventude longícua. Já fazia um bom tempo que estava hospedado naquela pensão, que tanto espanto o causara a quando da sua chegada. A pensão tinha um nome incomum: porta do céu. Mas, não era, o nome o que mais espanto lhe causara, mas sim, a falta de tecto. Quando chegou naquelas bandas inqueriu a velha sobre o fenómeno:
— Este tecto está furado, já havia reparado? – disse Pleno perplexo.
A velha olhou-o com um rosto inocente, e certamente entendeu tão ingénuo questionamento, ele não era dali. O seu povo, era muito diferente, quando queriam estar perto de Deus, iam aos templos, no entanto mantinham suas casas fechadas. A velha ajeitou a capulana mais ao pé do peito, procurando dar outro vigor as suas palavras, e disse:
— É assim que gostava meu marido. Ele dizia que, o tecto de uma casa é a porta escancarada para o céu, cobrir uma casa é cobrir o nosso coração para Deus. Há que se deixar o tecto aberto, pois o céu é também nossa casa.
Pleno franziu a testa, era o espanto, crescendo mais que a sua incredulidade.
— Esta casa é a mais importante de Missavene, sem ela não existe, o dia. É por este tecto que se entorna a claridade para os céus. – disse a velha Cacilda convicta de suas palavras.
— E como é que fazem quando chove? – inqueriu Pleno a Velha.
A velha soltou um sorriso tímido, e disse:
— Meu filho, a chuva é uma bênção, é Deus que nos banha com as suas próprias mãos. Achas que alguém pode negar isso?
O visitante ficou emudecido, passando algum tempo, ele começou a entender um pouco mais sobre as crenças locais, que de locais nada tinham, eram mais pessoais. Até era bom, dormir ao lado das estrelas, coberto pela noite. Avizinhado com as estrelas cadentes.
Depois de tanto meditar, decidiu que seria melhor se ficasse por ali, temia regressar à aquele lugar que só o atirava a sua solidão. A sala está vazia, silenciosa, somente por vezes ouvia-se alguém passando do lado de fora, arrastando-se em forçosos passos. Desde a sua chegada por aquelas bandas, encantava-se sempre que ouvia a Rosa peixeira voltando toda carregada de nada, simulando tempos de outrora, quando o mar era mais generoso. E ele gritava em voz alta:
— O que trazes tão carregada Rosa peixeira...? – e ela com aquele sorriso arrebatador, soltava-se em melodiosa voz, assim como se roubasse a harmónica sinfonia dos corais, e respondia:
— ...Mulungo, Rosa não pode responder, tem que correr para vender mercadoria na cidade. – e se ia, recolhendo o olhar, se esgueirando em ritmado gingado. A capulana, transparecendo alguns contornos enlouquecia Pleno, que montava plantão na sua janela todo santo dia, baboso de ansiedade. Mas desde que se fora Rosa peixeira, o silencio ficara mais dorido, e por vezes ele ouvia a voz a atravessar-lhe a recordação, dizendo:
- ...Mulungo, Rosa não poder responder, tem que correr para vender mercadoria na cidade. – E depois se esvaíam, quedavam lentamente, arrastando consigo os seus estilhaços que culminavam enferrujados na recordação. Como se Rosa peixeira, tão distante, tivesse encardido o esplendor dos seus dias. Aquelas lembranças eram naquele lugar, como o oiro, que se empresta ao sol para a sua resplandecente grinalda de vaidade.
Ligou o rádio, e impacientemente trocou os canais procurando algo que o agradasse, até que se decidiu pelas noticias locais. Naquele sitio era tão difícil haver algo de novo, que tudo que se contava, ou estava caducado, ou era das outras partes do mundo. Lá onde a vida corre com menos vagar. Ouviu o locutor falando: As mortes aumentam por causa da epidemia... — E no mesmo instante desligou o rádio, já podia prever o assunto penoso de que se tratava. Ele não era africano, mas já conhecia o conteúdo das noticias feitas para estes: Aumenta a pobreza, aumenta o desemprego, milhares de famílias desalojadas, milhares de órfãos vitimados pelo Sida. E seguindo esse sentido continuavam os tópicos. No entanto, alegrou-se por não estar distante da realidade. Por sorte, conseguiu sintonizar a frequência do canal português, e para ele aquilo foi tudo. Tocava-se musicas da sua terra, musicas cheias de distâncias. Ele as sentia como um




Pleno sabia, que algo de errado estava acontecendo, mas eram coisas muito além do entendimento humano. E isso ficava para além da sua jurisdição. Temia meter a mão por sítios, onde pudesse se queimar, ao mesmo tempo a função dele era repor a legalidade e trazer um pouco mais de conforto à aquelas famílias. Cansado daquela história, tirou da gaveta a sua habitual garrafa de aguardente da terra, de fabrico nacional. Sem nenhuma adulteração. Puro mesmo. Dizia por vezes, rindo-se de si mesmo, que aquele era o elixir da longa vida. Pois com aquele liquido, podia-se ressuscitar até o mais teimoso defunto. Pleno estava com uma história, que mais parecia uma corda sem começo. Não havia nem testemunhas, e nem provas de crime. Sabia-se somente que as pessoas dormiam, num ir sem volta. A quem se pode atribuir a culpa de tal sucedências? Como é que ele justificaria isso aos seus superiores? Mais fácil seria se alegasse loucura.

Excertos de um romance

III CAPITULO

O sinuoso perfume das rosas.

Antigamente cantavam-se as mulheres, bem alto, agora silenciam-nas bem baixo!



Pleno sentiu um cheiro recheado de feminisses invadindo o espaço, ganhando formas, se adentrando pela sua sala sem pedir licença.
— Eh...Jorge! – gritou Pleno, querendo saber das proveniências de tão intenso aroma.
— Sim chefe..! Pode falar! – disse Jorge, curvando-se o máximo que podia, quase tocando o chão com a testa, em simulado gesto de respeito.
— Claro que posso falar..! – Retrucou Pleno, como se quisesse impor a sua autoridade. – De onde vem esse cheiro todo?
— Desculpa chefe..!
— Não falo do teu, falo sobre o cheiro das rosas!
— Tem uma senhora, esperando para falar com chefe lá na sala..!
— E, por que não a trouxe até aqui? – inqueriu Pleno exaltado.
Jorge ainda tentou justificar-se, mas Pleno foi mais rápido.
— Vá traga-a aqui...Já! – ordenou.
Antes que ele pusesse os dois pés na porta, Pleno chamou-o novamente.
— Quem é ela...?
— Não sei chefe!
— Você nunca sabe de nada! – disse e indagou curioso –, é bonita?
— Mas...patrão! – Jorge não respondeu limitou-se somente a desmanchar-se envergonhado, amiudou-se, como se não tivesse sido ainda iniciado nestas coisas de ser Homem.
Pleno afinou-se de gestos e voz, espelhou-se um pouco. Alinhou os lábios, humedeceu-os com a própria saliva, pois não queria dar má impressão. Fez barulho com os papeis na mesa, encheu-se de posturas, com a mão na cintura simulando toda a autoridade que convém à um comissário.
— Este tipo parece muito parvo. – Concluiu Pleno, enquanto Jorge se incumbia da sua tarefa. Não demorou, e ela entrou. Se achegando de presença e farturas. Andava num rebolar como se fosse ela que ritmasse o dia. Era Mulata, dessas de não caberem nos olhos de tanto esplendor. Pleno ficou arrebatado a primeira vista com as delícias do Índico. — Como resistir a tamanhos encantos? – pensou. Os cabelos fartos e negros moviam-se lentamente. Pleno levantou-se e puxou uma cadeira para que ela se sentasse, afinal mesmo tão distante da dita civilização não poderia esquecer a sua essência, quase que esbarrou com os seus lábios. Certamente que seria uma tarde ganha para ele. Infelizmente não foi. Ela sentou-se, mas sem tirar os olhos nele.
— Chamei-te?
— Não, senhor comissário! – Respondeu Jorge.
— Então, vai para o diabo antes que eu te atire com qualquer coisa as ventas! – disse movimentando ligeiramente o acento, revelando um certo nervosismo.
— Não é consigo, não se preocupe. – disse Pleno a senhora. Jorge ainda se demorou um pouco, simulando alguns afazeres, mas no fundo o que ele queria era poder contemplar aquele espectáculo da natureza se manifestando tão perto de si. E por outro lado saber das reais motivações da visita.
A mulher estava de vermelho, um vermelho intenso, tal e qual uma rosa. Os cabelos compridos, soltos, dando o devido seguimento ao vento. Uma feição que certamente não era daquelas bandas, pela definição milimétrica e exacta dos contornos e, pela suavidade da expressão que os olhos revelavam. Pleno interrogou-se sobre o que faria uma pessoa tão bem apanhada, em sua mísera delegacia. Mas antes que criassem raízes as suas indagações, elas foram friamente decepadas.
— Vim saudá-lo.
— Saudar-me? – indagou Pleno, revelando um certo espanto – pois não era tão recente por aquelas bandas.
— Saudá-lo, sim. Não havia tido tempo antes, mas tive-o agora, e venho faze-lo pessoalmente: Seja bem-vindo! – disse com um sorriso arrebatador docemente ensaiado. Pleno começava, a sentir-se ameaçado, pois a situação começava a distar-se dos limites do seu domínio. Pleno estava estarrecido com tamanha recepção. Não era de esperar que fosse tão bem recebido. Mas no entanto ele sabia, que nada vem por acaso, e isso sim, o preocupava.
— Desculpe-me...Senhora... – tentou tomar as redeias da situação, em vão, pois foi friamente cortado:
— Ah, sim! Alva das Dores, ex-amante do vice-governador da região e actual esposa do governador, falo da mesma pessoa, como podes ver ainda nos encontraremos muito por estas bandas. O que certamente não faltará serão oportunidades e motivos.
— Prazer! Eu sou...
— Francisco Pleno, não..!? – Antecipou-se Alva, porém, mantendo a pose. Fez um subtil cruzar de pernas, como se já fosse aquele o golpe de misericórdia.
— Como sabe? – indagou meio que embaraçado com a situação, sentia-se desprotegido, inseguro, assim como um barco à deriva e continuou – , se há pouco nos conhecemos? Como pode saber tanto sobre mim, e eu tão pouco de si?
— Nos conhecemos há pouco, mas eu sei muito mais do que possas imaginar, ou acha que chegaria um branco nesta região e eu não saberia. Vocês aqui são tão raros, que quando aparecem caem logo na boca do povo. – disse –, enquanto estiver aqui, é melhor se ocupar com coisas que valham a pena... Entendeu? – disse em voz mansa, aproximou-se até ele como se quisesse sussurrar-lhe algumas palavras, e não disse nada. Queria somente ter a certeza de que ele não a esqueceria, pois, ficaria com o seu perfume impregnado até a mais funda lembrança. E quando anoitecesse, certamente ele se lembraria dela. Por instantes olhou-o, fundo nos olhos, como se o vasculhasse as funduras de sua existência, regressou os olhos, desanimada. Como se tivesse sido em vão a sua incursão.
— Quanto tempo pretende ficar aqui? – indagou ela.
— O tempo que for necessário para desvendar estes crimes todos. – respondeu ele, mostrando-se um pouco mais firme. Não podia se render somente aos seus encantos, tinha que assumir a autoridade que lhe cabia. Porém, a sua autoridade toda quedou por água abaixo, quando ela soltou uma gargalhada, e disse:
—Aconselho-o a ficar no seu canto! – disse com o dedo em forma de acusação. – Há coisas por aqui que devia tentar não saber. Onde não há criminosos, não há crime. Não leve isto como uma ameaça, é somente um conselho amigável. O senhor tem família?
— O que a senhora pretende saber é se tenho esposa?
— É sim..! Tem ou não?
— Tenho sim, mas ela teve que ficar.
— Que pena para ela! – disse Alva. – Fez bem em não ter vindo, não teria o que fazer aqui, consigo tão ocupado. — Soltou um sorriso maroto. Estas foram as suas ultimas palavras, levantou-se, sem deixar que Pleno se pronunciasse. Atravessou a porta, assim como entrara. Rebolamdo-se num andar sem igual. E perdeu-se das suas vistas. Mas o perfume parecia ter se impregnado nas paredes, estas, que o devolviam em emanações húmidas das pedras dos murros.

Para Leinecy

E no dorso das manhãs, revela-se nua a tua face.
Pelas frestas entorna-se a claridade, para as tuas
mãos mestiças, e assim, silenciosamente, mulher,
esculpis em minha pupila encardida, os sabores morenos,
de dias azuis, que ainda hão-de vir...

E por momentos, somos a doçura, o fruto,
Ou ainda, o tão esmerado sonho...

E por momentos, conseguimos preencher todas as coisas
E todas as coisas são belas, quando nos amamos.

Friday, June 30, 2006

O sonho chamuscado, e a busca do infinito.

Era uma manhã fria e cinzenta, num contraste de cores; um negro pálido firmava-se, enquanto inutilmente o dourado se esmerava em resplandecer. Se o céu não estivesse tão raso e até quase turvo, podia dizer que estava um lindo dia. O ar parecia uma espessa massa de fumo divagando pelo espaço. Um certo cheiro de desgraça pairava no ar, um silêncio dorido se focinhava pelo espaço, os pássaros não cantavam, como se silenciassem o tempo. Uma intensa poeira marcava presença dentro do quarto escuro e sombrio da insólita casa. Quando Alva despertou encontrou Pedro, com as roupas todas rasgadas, amarfanhado, e com marcas de sangue por todo o corpo, denunciando uma luta muito renhida havida. Ele gemia dorido. Já se podia prever de antemão que um dos seus trabalhos não havia corrido como se esperava. Pedro tentava abrir os olhos, esforçava-os, tentava mover os braços, mas não conseguia. Havia sido uma luta muito renhida, como podiam claramente provar os resquícios. Alva não entendia aquilo tudo, no entanto, sabia que estava a perder tudo que lhe era mais precioso; o seu amado.
Alva agachou-se sobre seu próprio corpo, depositando os seus joelhos no chão frio, segurou seu corpo, como se quisesse fazer toda a dor dele caber em si. Seus olhos divagavam entristecidos por aquele cenário, pois enxergava que nem o amor que os unia era suficientemente forte para fazê-lo desistir daquela ambição desmesurada. Vendo-o ali, sofrendo tanto, ela sentia-se igualmente ferida. Num instante dos seus olhos uma lágrima dorida quedou, e tombou sobre a face de Pedro, este não reagiu, estava demasiadamente fraco. Seu corpo minguava, Alva deu-lhe um beijo, mas não desses beijos comuns. Deu-lhe um beijo com a boca da alma, para lhe sugar a dor, pois é na alma onde reside a essência de tudo. O corpo é somente um recipiente. Quando sugou o último fiapo do seu amado, este sossegou, como se estivesse sendo embalado nos lábios do mar. E assim era, naquele instante, Alva fazia uso da arma mais poderosa que as mulheres detêm; o amor. Uma mulher que ama, consegue abrir todas as portas, e até mesmo a da vida. É por isso que somente as mulheres foram concedidas a dadiva de conceber.
Alva sabia que a vida toda foi gerada no ventre de uma mulher, chamada natureza. A deusa das florestas, dos rios, das aves, da vida. Essa a quem se atribui o esplendor de tudo de belo que o homem enxerga.
Alva fechou os olhos, num pestanejar lento, e com as mãos em concha ela foi colhendo as lágrimas do seu rosto, que reluziam como labaredas de luz. E cada lágrima que colhia do seu rosto, ela depositava nos lábios de Pedro, enquanto que quase num murmúrio, ela cantava canções de infância. Quando sua mãe, Rosalinda, esperava seu pai Revoltácio regressar de suas andanças pelos caminhos sem volta. Ela ali ao pé do seu amado, sentia-se como sua mãe, que perdera o seu homem para o infinito. Revoltácio, era um homem pouco resignado a si mesmo. Dizia por vezes, que burro esperto dorme em pé, para não perder a viajem. A sua maior paixão era algo que ele pouco entendia, mas que no entanto, sabia que residia além do horizonte. Segredado na lonjura que não se revelava aos seus olhos. Um dia, encontraram-no como sempre fazia, sentado na varanda da sua casa, com os olhos apagados de brilho, como se os tivesse emprestado ao dia ensolarado que se fazia. Rosalinda sua esposa, ainda tentou soprar-lhe algumas palavras, esperando alguma resposta sua. O homem estava completamente ausente de vida. Os olhos estavam simplesmente depositados sobre o horizonte. Assim morreu Revoltácio. Morreu na lonjura do infinito, amando o que ainda estava por vir.

Monday, April 10, 2006

O País dos bolsos furados

Havia um País no meio do nada, tão pobre que ninguém o conhecia, passando deste modo para o anonimato. De tão anónimo que o País era, nem constava no leque dos tão afamados dez Países mais pobres do mundo. Nesse País a miséria era tanta, que nem os olhos cabiam no rosto. Falo-vos do Pais dos Bolsos Furados.
O País dos bolsos furados, não era mais um desses Países que se mostram pela televisão, onde somente é desfilada a sua desgraça e crianças desnutridas, para sensibilizarem alguns fundos internacionais. Era sim, um País que não tinha pobres, tinha sim, desgraçados. Era um País que não produzia riquezas, produzia antes, tristezas. Não havia nem mendigos e nem ruas, pois para que haja mendigos tem que haver esmolas e, para que haja ruas é necessário que haja verbas para as construir.
Mas não pensem que não havia salários, havia sim, só não havia assalariados, pois o salário devia ser somente para pagar os impostos e as dívidas com o Estado.
O mais impressionante nesse País, era o facto de não haver nem policia e, nem ladrão, desculpem-me ladrões havia, mas isso é lá para frente. E, quanto aos policias, a muito que deixaram de existir devido a falta de fundos para custear seus gastos.
Durante o desenrolar dessa história, surge um homem que não conseguiu ficar indiferente a todo aquele cenário de opressão e exploração refiro-me a: Revoltácio Fominha.
Revoltácio, despertou toda uma manifestação Nacional. Desencadeou muitas ondas de revolta contra o regime então instaurado e, não demorou para que fosse o homem mais amado pela pátria.
A população conseguiu guiar aquele homem tão digno de si mesmo até a liderança da pátria, foi então, nomeado Presidente da República.
Depois de algum tempo a frente da liderança, descobriu o motivo de tanta desgraça, viu que em vez de costurar-se os bolsos do povo, costurava-se as calças dos políticos e, enquanto o dinheiro caía no bolso do povo, no bolso dos políticos ele ia aumentando, aumentava tanto que os bolsos quase que nem cabia nas calças.
E, o que fez ele...? Maravilhado com tanta luxúria que o dinheiro podia proporcionar-lhe, decidiu costurar as suas calças e mandar confiscar todas as agulhas e linhas de todo o País e, emanaram-se leis novas, nas quais nenhum cidadão devia possuir em sua casa, nem agulhas e, nem linhas. Todos os costureiros passaram ao desemprego e a uma situação total de penúria.
E, mais uma vez a esperança de um povo deixava-se corromper por alguns vinténs.

poema para ti

Não me perguntes por que te amo
pergunta-me antes, por que não te amaria
e eu te responderei:
— Não te amaria, se não houvesse em ti
este sol por despertar, esta sede por matar,
e esta interminável doçura que te habita.

Eu já te amava e te adorava
antes mesmo da invenção da palavra.

Creio que não sabes,
mas tu és esta chama fria
esperando ser encarnada
na alma...És este sentir
que constrói mundos
e move corações...

Não me perguntes por que te amo
pergunta-me sim, o quanto te amo
e eu te responderei:
— Não existe palavra tão intensa
em que caibas completamente, pois tu és
este vazio ainda por preencher, o qual não se
basta nunca...

Sabes,
por vezes um simples olhar teu
desperta um lento fogo em mim
que sem demora enche-me de atrasos
e logo sei o quanto estás distante...
Mas não te preocupes
que em meu olhar
ainda reluzem as tuas pegadas
denunciando-te sob o horizonte...