Saturday, July 22, 2006

Excertos de um romance

III CAPITULO

O sinuoso perfume das rosas.

Antigamente cantavam-se as mulheres, bem alto, agora silenciam-nas bem baixo!



Pleno sentiu um cheiro recheado de feminisses invadindo o espaço, ganhando formas, se adentrando pela sua sala sem pedir licença.
— Eh...Jorge! – gritou Pleno, querendo saber das proveniências de tão intenso aroma.
— Sim chefe..! Pode falar! – disse Jorge, curvando-se o máximo que podia, quase tocando o chão com a testa, em simulado gesto de respeito.
— Claro que posso falar..! – Retrucou Pleno, como se quisesse impor a sua autoridade. – De onde vem esse cheiro todo?
— Desculpa chefe..!
— Não falo do teu, falo sobre o cheiro das rosas!
— Tem uma senhora, esperando para falar com chefe lá na sala..!
— E, por que não a trouxe até aqui? – inqueriu Pleno exaltado.
Jorge ainda tentou justificar-se, mas Pleno foi mais rápido.
— Vá traga-a aqui...Já! – ordenou.
Antes que ele pusesse os dois pés na porta, Pleno chamou-o novamente.
— Quem é ela...?
— Não sei chefe!
— Você nunca sabe de nada! – disse e indagou curioso –, é bonita?
— Mas...patrão! – Jorge não respondeu limitou-se somente a desmanchar-se envergonhado, amiudou-se, como se não tivesse sido ainda iniciado nestas coisas de ser Homem.
Pleno afinou-se de gestos e voz, espelhou-se um pouco. Alinhou os lábios, humedeceu-os com a própria saliva, pois não queria dar má impressão. Fez barulho com os papeis na mesa, encheu-se de posturas, com a mão na cintura simulando toda a autoridade que convém à um comissário.
— Este tipo parece muito parvo. – Concluiu Pleno, enquanto Jorge se incumbia da sua tarefa. Não demorou, e ela entrou. Se achegando de presença e farturas. Andava num rebolar como se fosse ela que ritmasse o dia. Era Mulata, dessas de não caberem nos olhos de tanto esplendor. Pleno ficou arrebatado a primeira vista com as delícias do Índico. — Como resistir a tamanhos encantos? – pensou. Os cabelos fartos e negros moviam-se lentamente. Pleno levantou-se e puxou uma cadeira para que ela se sentasse, afinal mesmo tão distante da dita civilização não poderia esquecer a sua essência, quase que esbarrou com os seus lábios. Certamente que seria uma tarde ganha para ele. Infelizmente não foi. Ela sentou-se, mas sem tirar os olhos nele.
— Chamei-te?
— Não, senhor comissário! – Respondeu Jorge.
— Então, vai para o diabo antes que eu te atire com qualquer coisa as ventas! – disse movimentando ligeiramente o acento, revelando um certo nervosismo.
— Não é consigo, não se preocupe. – disse Pleno a senhora. Jorge ainda se demorou um pouco, simulando alguns afazeres, mas no fundo o que ele queria era poder contemplar aquele espectáculo da natureza se manifestando tão perto de si. E por outro lado saber das reais motivações da visita.
A mulher estava de vermelho, um vermelho intenso, tal e qual uma rosa. Os cabelos compridos, soltos, dando o devido seguimento ao vento. Uma feição que certamente não era daquelas bandas, pela definição milimétrica e exacta dos contornos e, pela suavidade da expressão que os olhos revelavam. Pleno interrogou-se sobre o que faria uma pessoa tão bem apanhada, em sua mísera delegacia. Mas antes que criassem raízes as suas indagações, elas foram friamente decepadas.
— Vim saudá-lo.
— Saudar-me? – indagou Pleno, revelando um certo espanto – pois não era tão recente por aquelas bandas.
— Saudá-lo, sim. Não havia tido tempo antes, mas tive-o agora, e venho faze-lo pessoalmente: Seja bem-vindo! – disse com um sorriso arrebatador docemente ensaiado. Pleno começava, a sentir-se ameaçado, pois a situação começava a distar-se dos limites do seu domínio. Pleno estava estarrecido com tamanha recepção. Não era de esperar que fosse tão bem recebido. Mas no entanto ele sabia, que nada vem por acaso, e isso sim, o preocupava.
— Desculpe-me...Senhora... – tentou tomar as redeias da situação, em vão, pois foi friamente cortado:
— Ah, sim! Alva das Dores, ex-amante do vice-governador da região e actual esposa do governador, falo da mesma pessoa, como podes ver ainda nos encontraremos muito por estas bandas. O que certamente não faltará serão oportunidades e motivos.
— Prazer! Eu sou...
— Francisco Pleno, não..!? – Antecipou-se Alva, porém, mantendo a pose. Fez um subtil cruzar de pernas, como se já fosse aquele o golpe de misericórdia.
— Como sabe? – indagou meio que embaraçado com a situação, sentia-se desprotegido, inseguro, assim como um barco à deriva e continuou – , se há pouco nos conhecemos? Como pode saber tanto sobre mim, e eu tão pouco de si?
— Nos conhecemos há pouco, mas eu sei muito mais do que possas imaginar, ou acha que chegaria um branco nesta região e eu não saberia. Vocês aqui são tão raros, que quando aparecem caem logo na boca do povo. – disse –, enquanto estiver aqui, é melhor se ocupar com coisas que valham a pena... Entendeu? – disse em voz mansa, aproximou-se até ele como se quisesse sussurrar-lhe algumas palavras, e não disse nada. Queria somente ter a certeza de que ele não a esqueceria, pois, ficaria com o seu perfume impregnado até a mais funda lembrança. E quando anoitecesse, certamente ele se lembraria dela. Por instantes olhou-o, fundo nos olhos, como se o vasculhasse as funduras de sua existência, regressou os olhos, desanimada. Como se tivesse sido em vão a sua incursão.
— Quanto tempo pretende ficar aqui? – indagou ela.
— O tempo que for necessário para desvendar estes crimes todos. – respondeu ele, mostrando-se um pouco mais firme. Não podia se render somente aos seus encantos, tinha que assumir a autoridade que lhe cabia. Porém, a sua autoridade toda quedou por água abaixo, quando ela soltou uma gargalhada, e disse:
—Aconselho-o a ficar no seu canto! – disse com o dedo em forma de acusação. – Há coisas por aqui que devia tentar não saber. Onde não há criminosos, não há crime. Não leve isto como uma ameaça, é somente um conselho amigável. O senhor tem família?
— O que a senhora pretende saber é se tenho esposa?
— É sim..! Tem ou não?
— Tenho sim, mas ela teve que ficar.
— Que pena para ela! – disse Alva. – Fez bem em não ter vindo, não teria o que fazer aqui, consigo tão ocupado. — Soltou um sorriso maroto. Estas foram as suas ultimas palavras, levantou-se, sem deixar que Pleno se pronunciasse. Atravessou a porta, assim como entrara. Rebolamdo-se num andar sem igual. E perdeu-se das suas vistas. Mas o perfume parecia ter se impregnado nas paredes, estas, que o devolviam em emanações húmidas das pedras dos murros.

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