Saturday, December 16, 2006

A liturgia dos insanos


1. Por aqui somos de carne e sal,
ou mesmo, de sol nascente,
longe do estéril turbilhão da rua.

2.As palavras que nos revelam,
são de luz pura e de encantamento,
e mais ainda, o delírio incessante
que nos confessa o tépido bafejo da aurora.

Não há lua no céu


1.Letárgico o rio deflui
silencioso dentro de uma noite afável,
E vagando pelo cosmo
vai tecendo estrelas-marinhas
pelas dóceis nuvens, que são também
de agua imaculada, e resguardam as profunduras
da tranquilidade, que somente os anjos desfrutam.

2.Pela janela quebrada
do meu quarto, vislumbro
o plenilúnio romper, e quedar
ensombrando a monocromática paisagem
de arvoredos tímidos, e de cores fugidas.

3.Nas calçadas frias, os dedos pedintes
dos meninos reluzem, trepidantes
remendam sonhos havidos, de um áureo
alvorecer.

Há um homem

1.Há um homem em cada
noite, que se multiplica em suadas mãos
para esmerar um corpo amado.


2.Há um homem
que se dissolve em suspiros
e queda fatigado nos teus braços
a cada noite, mulher!


3. E no oficio árduo das madrugadas
nasce um homem, um homem novo,
um homem de mil e uma auroras
assim como se plagiasse o resplandecer
dos teus olhos, mulher,
para cravar os astros de prazer.


4. Há um homem, mulher,
um homem que sou,
um homem que nasço,
somente quando te amo.

???Dúvidas I???

1. De quem é a arma que embala o medo da criança órfã que vagueia pelas ruas frias do nosso remorso?

2. Por que há tantos atalhos para a tristeza
e tão poucos caminhos para a felicidade?

3. Por que se mede o mundo
mas não as tristezas?

4. Como conseguiram os homens
descobrir o abismo da maldade,
e desconhecem a escadaria da bondade?

5. Por que não extraem o ouro do sol os homens?

6. Quantas bíblias há no céu?

7. Por que os grandes aviões não fazem ninhos? E quem já os viu ensinarem os seus filhos a voar?

8. É verdade que a dor se deve regar com lágrimas para a felicidade florir?

9. Como entenderão a minha poesia aqueles que jamais sentirão o meu sangue?

10. Se Deus está em todos os cantos por que olham para o céu os homens?

11. Se quando morremos vamos ao paraíso por que preferimos antes o inferno?

12. O que dizem sobre a morte os abutres?

Um lugar no meu coração

1. Choras...
Por vezes até morres,
e afundas em teu fosso de orgulhosa cólera,
até que nada te reste, senão, um instante,
um só, em que amaste sem medo, que te entregaste
sem corpo, sem alma, que foste mulher.


2.Nas noites frias e duras,
o traço forte da loucura irrompe
pela vidraça das tuas janelas,
embaçadas, sujas, e ofusca o brilho
de tudo, e até mesmo o teu, e permaneces
assim, no teu fosso de silêncio, silenciada...


3.E ai, eu também choro,
que amar é partilhar,
E ai, eu também sofro,
que amar é esperar,


4.Sei somente, que um dia,
teus olhos despertarão, coloridos,
e acredite, meu amor, não haverá
uma manhã sequer, que negra
não assuma o teu esplendor,
uma manhã em que não sorrias,
é isto que eu te ofereço:
— Um lugar no meu coração!

O teu riso

Antes a morte,
que perder o instante em que sorris.

Não me negues
o milagre que inventas,
a rosa que de súbito
brota da tua alegria.

Regresso por vezes com as mãos
vazias, o corpo dormente,
o sol já não morre, o mar
já não preenche infinitos caminhos,
mas logo tu sorris,
e tudo regressa a sua mansa ordem,
o mar que secara,
ressurge dos teus lábios,
o tempo que me atravessava como
um espada afiada, é agora
o meu único refugio.

O teu riso, meu pão,
sustenta os caminhos há muito estancados
que me guiavam ao teu colo... Escuta,
o rio, as algas, o vento,
que eu escutei um murmúrio
e entendi o teu riso,
essa porta que para mim
se abre.

“Não posso dizer adeus”

Ao poeta Armando Artur.


Todas as manhãs invento um novo motivo
para permanecer, enquanto lá fora
cruéis as aves me ensinam a partir.
Não posso dizer adeus. Aqui as noites
são menos gélidas, e as madrugadas, cálidas
embalam o meu medo de me aventurar.

Não posso dizer adeus. Nunca ninguém
me ensinou o seu real sentido, mas se este
é realmente o teu desejo, eu irei, sem no entanto,
provar a dor da despida, pois não posso dizer adeus.
O olhar, volvendo compungido, atrás,
meu porto de partida e chegada jaz, fulmina-se
também o calor da primeira habitação.

Em meu peito, tudo está gasto, menos o silencio.
Enfio a mão na algibeira do casaco, e já não
encontro tudo aquilo que outrora tínhamos
um para o outro.

Tão longe o esquecimento, tão perto a lembrança

Partiste e,
somente eu sei,
tudo que te dei
e tudo aquilo que não recebi.

Partiste e,
o que encontras nesses caminhos
feitos de espinhos onde te magoas?
Sangue, charcos, ou algas?
O que sentes, alegria, felicidade,
ou somente dor? Vá diga-me!

As noites aqui
são cada vez mais duras
mas não temas, esquiva-te das minhas lágrimas,
não te firas com a minha dor, que seria inútil.